sábado, 8 de outubro de 2016

STF VOTA CONTRA A VAQUEJADA E ESQUARTEJA A CULTURA NORDESTINA. AMANTES DO ESPORTE REAGEM E APOSTAM EM SUA CONTINUIDADE MESMO QUE DE FORMA CLANDESTINA

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta quinta-feira (6) derrubar uma lei do Ceará que regulamentava a vaquejada, tradição cultural nordestina na qual um boi é solto em uma pista e dois vaqueiros montados a cavalo tentam derrubá-lo pela cauda.

Por 6 votos a 5, os ministros consideraram que a atividade impõe sofrimento aos animais e, portanto, fere princípios constitucionais de preservação do meio ambiente.

O governo do Ceará dizia que a vaquejada faz parte da cultura regional e que se trata de uma atividade econômica importante e movimenta cerca de R$ 14 milhões por ano.

Apesar de se referir ao Ceará, a decisão servirá de referência para todo o país, sujeitando os organizadores a punição por crime ambiental de maus tratos a animais.

Caso algum outro estado tenha legalizado a prática, outras ações poderão ser apresentadas ao STF para derrubar a regulamentação.

Votaram contra a vaquejada o relator da ação, Marco Aurélio, e os ministros Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Celso de Mello, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski.

A favor da prática votaram Edson Fachin, Gilmar Mendes, Teori Zavascki, Luiz Fux e Dias Toffoli.

VAQUEJADA DEVE CONTINUAR MESMO SE NA CLANDESTINIDADE

Peões e gestores de associações promotoras dos eventos avaliam o posicionamento judicial como uma contrariedade à cultura da região e um dano irreparável a uma modalidade capaz de movimentar milhões de reais e empregar e atrair milhares de pessoas ao longo do ano. Os torneios devem continuar mesmo na clandestinidade, principalmente porque os vaqueiros não enxergam a medida da Justiça como proibitiva e irrecorrível - o STF examinou e invalidou especificamente uma legislação originada no Ceará.

"Vamos analisar quais as medidas possíveis de serem adotadas. Essa decisão vai ser reformada", acredita o assessor jurídico da Associação Brasileira de Vaquejadas Eduardo Torres. "A decisão não vai conseguir proibir, apenas tornar clandestina a prática. Diversas famílias voltadas para a atividade podem ficar sem empregos", ele observa.

O presidente do Campeonato de Vaquejada de Pernambuco, Eduardo Borba, faz coro e menciona a importância histórica como razão para manter os torneios. "Está na raiz das nossas relações culturais. Não tenho dúvidas de que, se de fato for proibida, haverá um impacto econômico e social impossível de calcular. Isso vai levar à margem da sociedade milhares de trabalhadores", ele diz.

Os circuitos de vaquejada brasileiros envolvem cifras milionárias e contemplam atividades paralelas com capilaridade em setores hoteleiro (a partir da ocupação dos estabelecimentos nas cidades-sede), artístico (com a realização de shows e festas) e do agronegócio (com atenção à reprodução animal, aos leilões de cavalos e bois e à negociação de embriões).

Parecer técnico elaborado pela consultoria Projete em 2015 sobre a importância econômica da vaquejada para Alagoas concluiu: a prática reconhecida como esporte em 2001 pelo governo federal só perde em dimensão para o futebol no Nordeste. As 4 mil competições anuais (cerca de 700 delas em Pernambuco e no Ceará), diz o levantamento, movimentam R$ 600 milhões por ano e geram 720 mil empregos diretos e indiretos, com prêmios de até R$ 300 mil para os vencedores. Estima-se o comparecimento de um público de até 10 mil pessoas por noite de evento, com 3 mil espectadores nas arquibancadas dos principais torneios.

Os ministros do STF reconheceram a relevância cultural e econômica da prática, mas defenderam como argumento para torná-la ilegal os maus-tratos cometidos contra os bois derrubados pelos peões durante as competições. No voto, o relator da ação, Marco Aurélio Mello, apontou os ferimentos provocados nos animais, como fraturas nas patas, ruptura de ligamentos e vasos sanguíneos, arrancamento de rabo. As lesões têm motivado queixas frequentes de entidades ligadas à proteção animal e ensejado controversas jurídicas pelo Brasil.

Na Bahia, uma lei de 2015 reconhece a vaquejada como Patrimônio Cultural e Imaterial do Estado e prevê a destinação de 2% do valor dos prêmios para organizações beneficentes de cuidados com os bichos - além de fixar regras para manter a "saúde" dos animais antes e durante as competições. Na Paraíba, legislação sancionada no ano passado reconhece a modalidade como atividade esportiva sob críticas de ativistas.

Em Pernambuco, o Ministério Público celebrou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com os praticantes e estabeleceu diretrizes para evitar danos a bois e cavalos. Procurado pelo Viver em virtude da decisão do STF, o órgão deve se pronunciar somente nesta segunda-feira (10) para informar qual postura deve seguir a partir de agora.

A preservação da integridade do rebanho é considerada pelos adeptos das vaquejadas, argumentam vaqueiros, organizadores e o parecer técnico da Projete. A estrutura para tratar dos animais enreda cuidadores profissionais, domadores, veterinários e passa pela elaboração de dieta específica dos animais. "Pensamos em tudo, temos equipe de veterinários 24 horas de plantão, seguimos uma série de normas", conta Ruy Barbosa, vaqueiro desde 1979. O cenário de incerteza criado pela Justiça passou a alimentar a angústia dele em relação ao futuro: "A vaquejada não pode ser impedida para ajudar os animais e desamparar milhões de pessoas. Precisam olhar os dois lados da moeda".

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